Já eram duas da tarde quando ele acordou. Olhou para a janela, viu a escuridão tapear o sol que tentava entrar no quarto a todo custo. Seu corpo estava grudado na cama, mal conseguia se mover. Mais parecia um paciente com miastenia. Até que levantou. O cérebro deslocou-se do corpo, sentiu-o mover sozinho, algumas vezes tinha vontade própria, pensou. Caminhou até onde era dia, onde havia luz, queria se encontrar, buscar algum raio de vida no meio daquele corpo morto, ele sabia que havia algo enterrado debaixo de todo aquele marasmo. Ele só precisava encontrar.
A tarefa era dura. Não é fácil acordar todos os dias buscando a si mesmo. Mas não é isso que as pessoas normais fazem? Eu vou lhe responder que sim, é exatamente isso. Mas ninguém tinha tanta consciência disso como ele. Todos se julgavam ser pessoas bem resolvidas, intelectas de sua própria razão. Pessoas com planos, pessoas que sabem da onde vem e pra onde vão. Decidiu que não havia se encontrado. Pensou nos motivos que tinha para estar de pé, repensou. Nada que valesse a pena. Todo o mundo estava de pé muito bem sem ele. Não havia razões para se lamentar por não ter acordado mais cedo, e não haveriam para se lamentar se ele não acordasse nunca mais.
Ele se sentou a luz do sol enquanto assistia seu dia passar, sua vida passar. Sentou e assistiu o mundo girar, enquanto ele era só mais um peso morto. querendo ser notado pelo espetacular circo de horrores que o cercava. Odiava ter que ficar parado, observando a fusão catastrófica do mundo, vendo detalhadamente cada ser do universo sofrendo uma constante metamorfose, enquanto a sua própria metamorfose esquecera de chegar. Mas tudo chega. O tempo sempre chega. Mas há casos que não chega a tempo. Todo aquele tempo desperdiçado. E mais um dia, ele fez o que fazia todos os dias. Nada.
Pegou seu livro favorito, folheou as 10 últimas páginas, pois assim como ninguém, ele gostava de ler primeiro o final, queria saber como tudo terminava pra saber se o meio valeria a pena ser lido. Ele estava procurando o seu final, como tudo acabaria, bem ou mal. O seu desfecho. Só assim poderia localizar o clímax de sua história, e avançar até a parte decisiva, onde ele sentiria uma faísca acesa dentro de si, e buscaria se salvar, por mais doloroso que fosse. E no final, venceria. Era a batalha de uma potência cognitiva da alma, em busca de sua essência. Entendeu que aquela era sua batalha, sua luta, algo que dependia apenas de si mesmo, algo que estendia além de sensações corpóreas, era algo significativo, o que determinaria o que seria, como seria visto, como seria lembrado. Era sua batalha, e ele haveria de lutar por ela se quisesse vencer.