quinta-feira, 12 de maio de 2016

O dia que morri por dentro

E foi ali, no silêncio daquela casa fria, que percebi no quão amargurada eu tinha me tornado. Meus pés congelavam, meus dedos doíam e as mãos já não podia sentir. Meu corpo inteiro se arrepiou quando olhei ao meu redor e me senti sozinha, como realmente estava. Tudo ali pudera competir com a imensidão gélida que só caracterizava a mais fria cordilheira A da Antártida, o lugar mais frio do mundo. Um deserto álgido e seco, era um eterno semestre na escuridão de um longo inverno. Friamente, me subiam as dores, e se dispersavam por todo o corpo. Constante. Começando pela cabeça, instalando-se nos olhos. E como doíam. Já não podia mais estar ali, procurando, olhando, pra nada ver. Era unicamente através daquela janela de vidro que eu podia espiar a vida, onde os prédios pareciam competir altura, onde os aviões pareciam competir tamanho, e onde a tristura da maldade parecia competir com o amor que eu carregava no peito. E me doía na memória. O amor que me trazia lembranças de como era bom o aconchego do lar. Ah, como eu gostava de estar em casa! Ainda naquele dia havia sonhado alto, me teletransportado pra dentro de cada fotografia antiga que emanava calor. E as mesmas memórias se convertiam no dissabor de estar de volta a realidade. Eu tinha mergulhado no lago Vostok e senti todo o meu corpo parar, órgão por órgão. Senti o sangue congelar dentro das veias e a última fagulha de calor se esvair de dentro de mim. E num instante, nada me pertencia. Nem o chão que eu pisava, nem o teto que me cobria, nem as paredes que me cercavam, nem o corpo que eu habitava. Dentro de mim não havia mais nada.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Condenando antônimos

Negar seu verdadeiro eu é negar a si mesmo todos os dias. É dizer não pra você, é podar cada galho da árvore que define quem você é de verdade. Ignorar seus princípios  É só viver preso dentro de si, guardando tudo que você significa. Sem nem sequer que o mundo saiba que você exista. Mesmo que nem todos se agradem de quem vão encontrar, você nunca deixará de ser quem é. Diferenças não distinguem e definem valores. As diferenças são que nos tornam únicos, cada um à sua maneira. Mas a crueldade habita em quem sabe por as diferenças à prova, à mostra, um falso árbitro, e te condena, por você não ser quem os outros esperam que você seja. Quando você é impiedosamente analisado, classificado, julgado, taxado e sentenciado por ser quem você é, silenciosamente te roubam toda a essência de viver. - O réu é declarado culpado, cortem-lhe a cabeça! - E numa tentativa desesperadora de sobrevivência, você muda. Metamorfose do mal, que não evolui, mas te sujeita à decadência. Sabe o que acontece quando seu interior não é respeitado por você mesmo, quando você sabota e trai a você mesmo? Você morre. Você não é mais você, e você não é mais ninguém. Você evapora, como éter, até não sobrar mais nada. Nem mesmo o que esperam que você seja.

segunda-feira, 28 de março de 2016

E se...

Engraçado é como já não dá pra falar de mim, sem falar de você, ainda que na primeira pessoa. Andei pensando sobre nós, e percebi que dentre os dias que estivemos lado a lado, e os que não, sempre estivemos juntos. O amor é labirinto, onde os deuses nos soltam separadamente em extremidades opostas e nos assistem. Só pra ver se somos inteligentes o suficiente para nos encontrar novamente. Tudo errado, é o que diz o nosso amor pra nós. Caminhos errados, seria este o momento de duvidar da capacidade de discernimento provável corrompida parecendo intacta. Andando depressa, com os olhos atados, procurando te encontrar e me perdendo, lá vou eu pelo labirinto que é amar você. Na tentativa de não parecer tão perdida por fora quanto estou por dentro. Eu não sei onde vou chegar, nem sei o que estou fazendo, mas sei exatamente o que quero. É como querer montar um quebra cabeças, identificando as peças usando apenas o tato. Dá pra arrumar as peças e deixar cada uma em seu lugar, mas será que é assim que vai ser? Tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais. E você... Olha só, eu falando de você de novo. E esse texto nem é sobre você. Tem mais de ti dentro de mim do que eu mesma. Pra te encontrar basta me olhar no espelho. Basta fechar os olhos, ou os abrir. Não importa o que faça, você sempre vai estar ali. E mesmo que não esteja mais um dia, sempre vou encontrá-lo dentro de mim. Quando nos conhecemos e decidimos que ficaríamos juntos, ingenuamente fizemos nossos votos, atando nós em nós, mudando o destino. Ou seria ele esse mesmo? Só não sabíamos quão difícil seria mantê-los. O amor é uma manutenção diária que fazemos dentro de nós mesmos, certificando-se de que está tudo em ordem, para aquilo que sentimos não possa ferir o outro. É fácil dizer que tudo vai se resolver, que tudo vai ficar bem, afinal, é o que todos queremos ouvir. O difícil é matar um dragão por dia e ainda manter o sorriso no rosto, para esconder as lágrimas no coração. Então vejo que amar é mesmo isso o que dizem por aí. Se doar, cruzar os dedos e esperar receber o mesmo de volta, É plantar na incerteza da colheita. É sentir o apertar da garganta e engolir o sentimento, seja ele qual for, na tentativa de parecer menos ridículo. É fazer planos pra amanhã sem saber se ele vai chegar. É viver o agora e já sentir saudade antes mesmo que acabe. É não saber nadar e mergulhar com tudo, sem saber onde é que não vai dar mais pé. É acreditar que a realidade pode ser da forma que se sonha, e ao dormir, sonhar com a realidade. Somos mesmo feitos de superações? Quem se bastar, que supere a si mesmo.

sexta-feira, 4 de março de 2016

A certeza de um talvez

 Estar com você me faz pensar em como passei todo esse tempo longe. A cada suspiro que você dá, sinto me faltar o ar. Como se o meu inspirar dependesse do seu expirar. E talvez dependa mesmo. Talvez até meus passos na rua dependam de estar juntos dos teus quando estamos lado a lado. Talvez até o meu cheiro dependa do seu para ser como é. E até o meu sorriso dependa do seu, ainda que tímido, para acontecer. Talvez o pulsar do meu coração dependa das batidas do teu. E quando ele não mais pulsar, o meu também não irá. Talvez o talvez tenha deixado de ser uma dúvida e tenha se tornado uma certeza, e toda a certeza que eu tenho é que talvez eu precise mesmo de você. Isso é uma certeza.